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A INEFICIÊNCIA DA INVESTIGAÇÃO POLICIAL ESTÁ NO MODELO POLICIAL BRASILEIRO, NÃO NA FALTA DE EFETIVO DA POLÍCIA CIVIL.

Em 2018, a Jovem Pan, em matéria amplamente divulgada à época, constatou que, no Estado de São Paulo, a Polícia Civil só conseguiu solucionar 4% dos crimes que mais preocupam a população. Ou seja, dos 788.405 homicídios dolosos, estupros, latrocínios, roubos e furtos registrados no Estado, de janeiro a outubro, somente 32.150 foram esclarecidos; e, destes, mais da metade quem esclarece é a Polícia Militar, que leva o caso numa situação de flagrante à Polícia Civil.

Resultados semelhantes também são uma realidade brasileira. Tendo-se por norte o Mapa da Violência do ano de 2013, elaborado pela Associação Brasileira de Criminalística, foi apontado que, somente no ano de 2011, com relação ao crime de homicídio, o delito mais grave e que atenta contra a vida, houve um número inexpressivo de esclarecimentos, o qual girou em torno de apenas 5% a 8% de todos os homicídios havidos no país. Este dado também é confirmado pelo anuário da violência editado pelo Ministério da Justiça, pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo Conselho Nacional do Ministério Público .

E essa situação praticamente ainda não se alterou nem no Estado de São Paulo  nem no Brasil de um modo geral.

Situação diversa, entretanto, é a de outros países em que o número de elucidações de crimes, em especial das infrações penais mais graves, é bem superior ao da realidade brasileira e paulista.

Exemplificando essa superioridade internacional, pode ser mencionada a Polícia de Nova York, que tem em torno de 30 mil policiais, e as taxas de esclarecimentos de homicídios, no mesmo ano acima mencionado (2018), giraram em torno de 97% dos casos, e as de roubo ultrapassaram 50% dos crimes registrados. Significa que, somente no tocante aos roubos, a Polícia de Nova York teve um número 16 vezes maior do que a Polícia Civil paulista. E se nós levarmos em conta que nos 30 mil temos o efetivo policial fardado, e que desse efetivo somente 10% trabalham na investigação de crimes (3.000), aí a nossa ineficiência chega a números assustadores.

Apresentados esses dados, em que foram comparados os resultados das polícias investigativas brasileiras, em especial a de São Paulo, com a polícia americana, sobretudo a de Nova York, convém que seja analisado também, comparativamente, o efetivo destinado a ambas as policias para a realização do serviço investigativo, estabelecendo-se uma proporção com o efetivo total de policiais para a execução de todas as atividades, ou seja, desde a prevenção, passando-se pelos registros das ocorrências nos casos de repressão imediata, e encerrando-se com a investigação nas hipóteses de autoria desconhecida.

Assim, verifica-se que, enquanto no Estado de São Paulo, na lei, o efetivo da Polícia Civil tem mais de 30% de todo o efetivo policial do Estado destinado à investigação, no resto do mundo esse percentual é bem menor, girando em torno de 7 a 15%. Em Nova York, por exemplo, o efetivo policial destinado à investigação é em torno de 10% do total de policiais.

Dessa forma, pode-se concluir que o argumento, por si só, de “sucateamento” das Polícias Civis e a falta de recursos humanos é totalmente improcedente e descabido, visto que, só em São Paulo, o efetivo da polícia investigativa é consideravelmente superior ao restante do mundo.

Nessa esteira, apesar de eventual falta de recurso acarretar queda na qualidade do trabalho, o problema não reside nisso, mas sim na ineficiência do modelo brasileiro, existente na fase pré-processual após a eclosão do delito, com uma polícia trabalhando para outra polícia, “duas metades de laranja que não se juntam”, oferecendo o serviço pela metade e inacabado. Duas agências antagônicas disputando o mesmo serviço e o mesmo cliente, muitas das vezes atuando como concorrentes e adversárias históricas.

Aliado a isso, a figura do delegado de polícia, que herdou a cultura do antigo juiz de paz, desembargador que acumulava as funções de juiz e de chefe de polícia, desde a época do Império, e que insiste em querer ser jurista dentro da polícia, e para isso precisa da manutenção do obsoleto e burocrático inquérito policial, que não é destinado ao Ministério Público e muito menos acompanhado por aquele que é o titular da ação penal. Nesse modelo temos a cultura da ineficiência e a  cartorização do trabalho policial voltado para o mero registro de ocorrências.

No Brasil, infelizmente, parte considerável dos policiais civis estão atrás de “balcões” de delegacias ou distritos, fazendo o papel de “digitadores” de ocorrências, enquanto em todos os países civilizados ou não, os policiais responsáveis pela investigação estão nas ruas apurando crimes e combatendo a macrocriminalidade.

Isso significa que, enquanto no mundo inteiro os policiais da ponta da linha (operacionais) registram, sem formalidades arcaicas, as ocorrências por eles atendidas, em especial aquelas de autoria conhecida, e adotam a providência imediatas para resguardar indícios do crime, aqui, no Brasil, em especial em São Paulo, o cidadão se desloca quilômetros para encontrar um distrito policial, e quando encontra, fica horas no distritos apenas para formalizar delitos de menor potencial ofensivo, isso se não tiver uma ocorrência de gravidade na frente sendo atendida, os quais poderiam muito bem ter sido registrados no local dos fatos pelas próprios policiais que constataram a infração.

Por fim, os governantes brasileiros que enxergarem essa realidade e tiverem a coragem de alterar esse modelo caro, ineficiente e ultrapassado, rompendo com as vaidades institucionais classistas e de cargos, estão contribuindo de forma extremamente significativa com a segurança pública e com toda a população, porquanto, com os mesmos recursos, serão alcançados resultados muito mais expressivos.

Já passou da hora do povo deixar de ser refém dessa estrutura arcaica e ineficiente, e podemos fazer uma mudança que vai alterar esse estado de coisa, somente adotando medida de gestão, sem precisar de alteração legal ou constitucional, simplesmente começando pelos crimes de menor potencial ofensivo, onde o policial, seja civil, militar, federal, rodoviário ou penal, que atender o fato delituoso, registra e libera as partes no local, como já ocorre em dezenas de estados no Brasil. Ou, ainda, nos casos de flagrante delito, o policial que atender a ocorrência policial, encaminha diretamente ao juiz para a audiência de custódia.

Essa medida dá uma resposta imediata ao fato delituoso, impede a sensação de impunidade, otimiza o emprego dos policiais ostensivos e investigativos, gera economia de material, combustível e recursos humanos, e libera a polícia investigativa para a sua missão, que é investigar os crimes que mais violentam a sociedade.

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