(*) Wagner Tadeu Silva Prado
Muitas pessoas já devem ter ouvido falar da famosa “Lei de Gérson” ou “Lei da Vantagem”. Porém, aqueles brasileiros mais jovens e não nascidos na década de 70 não têm noção da real origem dessa designação.
Apenas para se resgatar a história e elucidar a dúvida de muitos, a origem da famosa lei, remonta, mais precisamente, do ano de 1976, quando numa propaganda de cigarros da indústria J. Reynolds, proprietária da marca Vila Rica, o famoso e excepcional jogador de futebol Gérson, da consagrada seleção brasileira campeã da Copa do Mundo de 1970, protagonizou, na ocasião, o fato de ser o garoto propaganda daquele comercial, fazendo uma referência ao status que havia em se fumar, na época.
E tal “lei” passou a ser conhecida como a “Lei da Vantagem”, fazendo-se uma analogia com o cigarro Vila Rica que poderia ser comparado à boa qualidade de outras marcas famosas daquele tempo e com preço mais barato. Então, o jogador fazia alusão de que nós, brasileiros, temos que levar vantagem em tudo e, por esse motivo, tinha que enxergar uma grande vantagem ao comprar o cigarro Vila Rica, pagando-se mais barato por ele e obtendo-se as mesmas vantagens e prazeres de outras marcas mais famosas.
Dizia ele na propaganda, cujo vídeo para acesso está no link no final deste texto: “É difícil dizer por que se gosta de um bom cigarro, certo? Por que pagar mais caro se o Vila me dá tudo aquilo que eu quero de um bom cigarro. Nós temos que levar vantagem em tudo, certo?”
Obviamente que o objetivo da propaganda e do famoso jogador não foi que o vídeo tivesse a repercussão negativa que teve no que se refere à eventual característica de que o brasileiro adora levar vantagem em tudo. Mas foi, infelizmente, esse lado pejorativo que marcou e que as pessoas se recordam até os dias atuais, já que, como se observa no dia a dia desse nosso país, muitos brasileiros despertam esse espírito de se obter vantagens de forma indiscriminada, sem se importar com questões éticas ou morais.
Dizia Gérson, na ocasião, ter arrependido-se de vincular sua imagem ao anúncio, visto que qualquer comportamento pouco ético foi sendo aliado ao seu nome nas expressões “Síndrome de Gérson” ou “Lei de Gérson”. E aqui, aproveito para fazer uma reverência ao brilhante jogador Gérson, pois foi um dos responsáveis em trazer muitas alegrias, por meio do excepcional futebol, ao sofrido povo brasileiro. Infelizmente, e sem qualquer culpa do nobre jogador, aquela propaganda o vinculou negativamente e isso se estendeu pela história.
E para ilustrar o que aqui comento, a seguir serão citados alguns exemplos que venho observando há muito tempo e que, verdadeira e infelizmente, retratam o comportamento de uma boa parcela da população:Parar em vaga de idoso ou pessoas com necessidades especiais;
Furar fila;
Receber troco a mais e não restituir, prejudicando, inclusive, o funcionário que terá que repor do seu bolso;
Entrar em fila de idoso, gestante etc sem estar nessa condição especial;
Ter filho no colo e não de colo (bebê) e querer ficar na fila preferencial;
Fumar no interior de restaurantes, pensando que “os incomodados é que devem se mudar”;
Fumar em quarto de hotel em que seja proibido. Além de descumprir a norma do local, prejudica o próximo hóspede;
Achar correto oferecer um valor (propina/agrado) para alguém deixar de tomar alguma providência cujo resultado seria mais prejudicial a você;
Achar ético oferecer um valor ou presente para alguém agilizar algum documento/processo etc (normalmente no serviço público);
Ver alguém que já está esperando a liberação de uma vaga de estacionamento e você, rapidinho, parar o seu carro naquele lugar;
Trocar etiqueta de alimento já vencido por outra para enganar o consumidor;
Achar algo na rua, havendo a possibilidade de encontrar o dono, e ficar com o objeto para você;
Fazer “gambiarra/gato” para clonar o sinal da TV fechada ou a Internet do vizinho;
Fazer “gato” para furtar energia elétrica;
Adulterar, por qualquer meio, o relógio medidor de energia elétrica ou de água para pagar menor valor na conta mensal;
Fazer desvios clandestinos do encanamento do relógio de água para pagar menos ao encher uma piscina;
Tirar guia médica no nome de outro para você mesmo usar;
Ocupar assento de idoso ou gestante sabendo que há pessoas para ali sentarem;
Comprar, fraudulentamente, a sua vaga em uma universidade;
Se passar como sendo de outra cor ou raça, de forma fraudulenta, para obter vaga no sistema de cota em universidade ou concurso que adota tal critério de seleção;
Parar em fila dupla para pegar seu filho na escola, atrapalhando todo o trânsito por preguiça de parar a 100 ou 200m da escola e caminhar um pouco (lembre-se que caminhar faz bem para sua saúde);
Transitar pelo acostamento quando há congestionamento, a fim de “levar vantagem” sobre os demais motoristas;
Usar o telefone do seu trabalho para tratar de assuntos particulares (ninguém controla mesmo, né?);
Tirar xérox de livros da sua faculdade, escola na copiadora do seu local de trabalho;
Não reciclar o lixo de casa por pura preguiça, prejudicando sensivelmente o meio ambiente e o futuro dos seus filhos, netos, bisnetos etc;
Jogar lixo na rua ou em outros lugares públicos;
Acreditar cegamente que o bom político é aquele que “rouba, mas faz”;
Comer algo no interior do supermercado, esconder o pacote e não pagar;
Saquear lojas aproveitando de eventual greve das polícias;
Subtrair carga espalhada na via pública, após acidente de trânsito;
Contrair dívida, sabendo não poder saldá-la, e já pensando em ser inadimplente para, após 5 anos, ter seu nome retirado do rol de devedores das empresas de controle de crédito;
Grudar chiclete sob carteiras e outros móveis em escolas, cinema, teatro etc;
Não levar a bandeja até o lixo após se alimentar em shoppings, por achar que funcionários que lá trabalham são seus empregados;
Não conduzir os carrinhos de supermercados até o devido local após utilizá-lo, deixando em locais que atrapalham as pessoas e veículos;
Abandonar o carrinho de compras no elevador do prédio onde mora;
Pedir para alguém fazer curso e provas via EAD no seu lugar, fornecendo-lhe a senha;
Assinar lista de presença na escola/faculdade de algum amigo que não esteja presente na sala de aula;
Comprar recibo de médico/dentista para fraudar a Receita Federal;
Adulterar a bomba de combustível do posto para abastecer menos do que o indicado e enganar o cliente;
Adentrar alguns centímetros no terreno do vizinho quando for construir a sua casa;
Realizar serviços de conserto e alegar substituição de peças, sem haver tal necessidade;
Transitar com seu veículo com o som nas alturas, incomodando as pessoas, especialmente à noite;
Abrir a porta do seu carro sem qualquer cuidado, batendo-a para causar danos na pintura do veículo parado ao lado;
Pisotear ou incendiar a bandeira nacional, em total desrespeito ao nosso maior símbolo;
Defecar ou urinar na bandeira nacional;
Passar com carro rapidamente ao lado de uma poça d’água para molhar pessoas na calçada;
Efetuar publicação de fake news para enganar a população;
Pegar Nota Fiscal em posto de estrada naquele depósito para doação e apresentar na empresa para reembolso como se você mesmo tivesse consumido;
Não deixar o celular no modo avião como orientado nos voos pelas comissárias de bordo;
Diminuir a idade do filho para deixar de pagar algo em restaurante, cinema etc.
Dentre tantos outros, deixando aqui de elencá-los, pois o texto ficaria muito mais extenso.
Agora vai o meu alerta. Se você se encaixar em uma ou mais das atitudes acima citadas, sugiro rever seus conceitos e revogar de vez da sua vida, do seu coração e da sua mente a “Lei da Vantagem”. Afinal, se a nossa criatividade brasileira fosse utilizada apenas para comportamentos positivos, tudo seria maravilhoso.
Para que este país volte a ter a pujança vista no passado, ter um povo mais culto, mais sério, que valoriza a sua boa cultura, que tenha orgulho de ser brasileiro, que voltemos a ter ordem e progresso, é necessário que realmente repensemos alguns conceitos. Entendo que investir maciçamente em educação de boa qualidade, não só a escolar, mas também a familiar, será o primeiro passo para o caminho do sucesso.
Que os atuais e os futuros governantes possam ter a sensibilidade de enxergar o futuro promissor deste país.
E que a “Lei de Gérson” seja definitivamente deixada no passado e “revogada” de nossa história. O famoso jogador e a sociedade brasileira agradecem. Rendo aqui minhas sinceras e justas homenagens ao querido jogador Gérson, que infelizmente teve sua imagem vinculada a uma distorção histórica do que a propaganda realmente quis retratar na época.
(*) É Coronel da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo; Bacharel em Direito; Mestre e Doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública; pós graduado na Universidade de São Paulo – USP em Gestão de Segurança Pública e Justiça Criminal e tesoureiro da Associação de Oficiais DEFENDA PM.
www.defendapm.org.br
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=J6brObB-3Ow
https://www.youtube.com/watch?v=FMGG-EQuGw4