Artigo | Guerra Híbrida: Penetração Ideológica em Ambiente Estudantil

Constantemente questiona-se sobre manifestações ideológicas em ambiente escolar, particularmente quando há grupos, mesmo que minoritários, que optam por um discurso que raramente permite uma argumentação contrária, dando a impressão de que a pluralidade, tolerância e respeito, que devem reinar em qualquer escola ou universidade, por vezes inexistem, mesmo que tais grupos eventualmente não representem a totalidade do corpo discente ou fração considerável deste.

A existência destes grupos não é recente e recebeu apoio profissional por tempo considerável, da mesma forma que possui um propósito delineado em suas origens no exterior. Não se trata de uma manifestação de convicção política pessoal, mas, dentro de algumas linhas, da constatação, feita por intermédio da consulta a documentos e literatura, com foco na parte histórica, bem como sobre o empenho de aparato estatal para influenciar esse público (jovens em período escolar), ainda que de forma dissimulada, pelo que tentaremos expor a respeito. As reportagens de jornal servem para complementar o que foi percebido pela comunidade de inteligência em determinado período.

Ion Mihai Pacepa foi um integrante relevante da Securitate (Departamentul Securităţii Statului, Departamento de Segurança do Estado), organização criada em 1948 que se valia de métodos brutais para proteger o regime da República Popular da Romênia (posteriormente, de 1965 a 1989, República Socialista da Romênia).

No final de 1989, a Securitate foi extinta por ocasião da Revolução Romena (também conhecida como Revolução do Natal) e da queda de Nicolae Ceaușescu, momento em que foi encerrado um regime que perdurou por mais de quatro décadas (essa revolução não foi um evento que ocorreu sem um número expressivo de mortos e feridos, sendo um momento conturbado para o fim de um regime, naquele período). Sua obra deveria ser de leitura obrigatória para todos aqueles que operam em segurança pública, notadamente na área de inteligência e comunicação social: Desinformação (tendo como coautor o prof. Ronald J. Rychlak). Para que se tenha uma ideia do tamanho controle que a Securitate tinha (e do medo que impunha) estima-se que, em dado momento, de cada 30 cidadãos romenos, um seria informante.

FIGURA 1: Início de um regime que se mostrou brutal e perdurou por quatro décadas. Sua manutenção só foi possível pela ação da Securitate, uma das maiores e mais eficazes instituições do leste europeu (no sentido da missão a ela atribuída). É adequado notar o empenho de organizações de fachada, como a União Internacional dos Estudantes, que já possuía um expressivo número de integrantes, atuando e influenciando em diversos países (O Estado de São Paulo, 22 de março de 1949).

Pacepa, que por 27 anos pertenceu à comunidade de inteligência do bloco soviético, cita que, pessoalmente, atuou em diversas organizações de fachada, úteis para a estratégia soviética de longo prazo envolvendo desestabilização e influência no período da Guerra Fria. Não somente ele, pois, conforme relata, o contingente empregado pela máquina de desinformação (soviética) era maior do que a de muitos exércitos somados. Ele estimava que haveria mais de um milhão de agentes (e tantos outros milhões de colaboradores) ao redor do globo, com o propósito de não somente enganar, mas influenciar e enfraquecer seus “oponentes ocidentais”.

Muitos atuavam em organizações que foram criadas pelo KGB (Komitet Gosudarstvennoy Bezopasnosti, Comitê de Segurança do Estado), organizações estas que sob a névoa de “entidades internacionais independentes”, possuíam jornais próprios em diversos idiomas e acabavam por influenciar em inúmeras áreas, como as sindicais e estudantis, em um número expressivo de países. Entre estas (na qual se soma o Conselho Mundial da Paz), destacamos a Federação Mundial da Juventude Democrática, FMJD e a União Internacional de Estudantes. Estas últimas, em particular, não apenas são citadas pela atuação pessoal de Pacepa, mas também são referenciadas em diversos documentos que podem ser consultados no Arquivo Nacional.

 

FIGURA 2: Documentos públicos demonstram que, no início da década de 1980, relacionava-se o movimento estudantil brasileiro a determinada linha ideológica, possuindo vínculos com organização de fachada (conforme elucidado por diversos autores). Destacamos a citação à União Internacional de Estudantes. De qualquer forma, menos de 20 anos após o registro a respeito do movimento estudantil, um relatório da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), de agosto de 1999, esclarecia sobre a presença de integrante das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo (FARC-EP) participando de Congresso de Educação realizado em uma universidade pública. No evento, ainda comercializou livros sobre o tema que defendia. Se antes havia ações de influência no ambiente estudantil, com o passar dos anos foi possível constatar que mesmo integrantes de grupos terroristas, detentores teoricamente da mesma linha ideológica, também tinham espaço (Arquivo Nacional).

Conforme lemos no Relatório Especial de informações nº 02/1985 (datado de 31 de julho de 1985, que foi encaminhado ao Serviço Nacional de Informações, SNI, pelo Exército), a respeito de “Arregimentação da Juventude”, já se enxergava que o maior problema percebido na época, em países democráticos, era o processo de penetração ideológica tendo como objetivo os jovens, por “seus efeitos amplos, profundos, duradouros e de maior alcance”. Percebia-se o expressivo aumento destes jovens que passavam a atuar como militantes, bem como aqueles que, chegando à idade adulta, passavam a integrar organizações ditas subversivas (que por sua vez, continuavam a tentar trazer mais jovens para a sua causa).

Para obter sucesso entendiam que no período da juventude era aflorado o “espírito autocrítico”, o que fazia com o que o jovem passasse a olhar de forma mais reflexiva para a família, a escola e a sociedade, questionando valores e podendo sentir-se frustrado e insatisfeito com a realidade sociocultural em que está inserido. Assim, lemos no relatório, que “os marxistas-leninistas consideram, por estas e muitas outras causas decorrentes da psicologia do adolescente”, que os jovens em geral se constituem na mais importante força social que a revolução comunista poderia utilizar em seus esforços de expansão. Segundo o próprio Stalin, “a juventude é livre do peso do passado e assimila, melhor do que ninguém, os preceitos leninistas e, por isso, será convocada para impulsionar os desanimados”.

Surge outro nome (no relatório referenciado): KOMSOMOL. Será visto, também, em inúmeros outros documentos de inteligência, congressos, reportagens, literatura e, principalmente, influenciando diretamente milhões de jovens em todo mundo.

Conforme elucida o Marxists Internet Archive, KOMSOMOL (em russo, Комсомол) é o acrônimo de Kommunistitchéski Soiuz Molodiôji (Коммунистический союз молодёжи) ou União da Juventude Comunista e se tratava da organização juvenil do Partido Comunista da União Soviética. Foi criado em 1918, aglutinando diversas associações juvenis que haviam se envolvido na Revolução Russa. Sua atividade perdurou até 1991 (de fato, foi noticiado que até o final de 1990, chegaram a procurar parcerias no Brasil, sendo inclusive convidados para tal). A participação (efetiva filiação) ao KOMSOMOL se iniciava a partir dos 14 anos de idade e era permitida a permanência em seus quadros até os 28 anos. Os funcionários eram mais velhos que os membros regulares, pois eram antigos militantes. Considerando o aspecto internacional, era o componente mais importante da Federação Mundial da Juventude Democrática, FMJD (não sem razão, pois no seu auge, nos idos da década de 1970 até o início da década de 1980, possuía um número superior a 40 milhões de afiliados).

Na União Soviética era extremamente atraente estar vinculado ao KOMSOMOL. Havia a vantagem de se conseguir a preferência no ingresso em universidades relevantes, bem como na própria colocação no mercado de trabalho ou mesmo ingresso na vida política/burocracia. Com estrutura impressionante, recebeu jovens de todo o mundo (vários brasileiros, normalmente filiados a movimentos juvenis de partidos políticos, visitaram, participaram de eventos ou mesmo permaneceram no período de cerca de um ano na escola KOMSOMOL, retornando ao Brasil para colocar em prática o que aprenderam).

Ladislav Bittman foi um operador da StB (Státní Bezpečnost, Segurança do Estado). Organização criada no final de junho 1945, pelo Partido Comunista da Tchecoslováquia, atuava na inteligência e, quando necessário, repressão a qualquer ato contrário ao regime em vigor. Era parte integrante do Corpo de Segurança Nacional (que possuía outros setores, como um dedicado ao policiamento uniformizado), que por sua vez, era subordinado ao Ministério do Interior. Em sua obra A KGB e a Desinformação Soviética Bittman fala sobre sua jornada (14 anos atuando na inteligência, parte dos quais no departamento de desinformação) e percepções. Atividades que incluíam atuar de forma incisiva em organizações que tinham a missão declarada (ao menos no nome) de defender as liberdades e direitos civis, bem como o recrutamento de colaboradores (entre os quais estudantes). Muitos destes passavam a atuar como agentes de influência, assim que galgassem cargos relevantes nas mais diversas áreas e instituições.

FIGURA 3: Método, paciência, empenho profissional e organizações de fachada. Se vários autores já citaram a atuação de órgãos de inteligência soviéticos (Ion Mihai Pacepa, Ladislav Bittman entre outros) com o foco na juventude e nos movimentos estudantis, documentação que pode ser consultada no Arquivo Nacional comprova a ação. Na parte superior esquerda da imagem, relata-se (por intermédio de informação de 1971) a infiltração em ambiente universitário. Em Relatório Especial de Informações de 1985 a respeito do tema, logo no início, o interesse a respeito da busca de ativistas entre os jovens. De qualquer forma, o intercâmbio entre estudantes engajados politicamente e organizações no exterior (notadamente na União Soviética) já ocorria com grande frequência, conforme lemos em informe do final da década de 1980 (Arquivo Nacional).

Um ponto que ele destaca é que a formação ou especialização de novos integrantes não necessariamente ocorreria em Moscou. Realmente muitos se dirigiam para instituições lá sediadas (com cursos que duravam dois anos e, posteriormente, foram reduzidos a um ano). Havia, no entanto, organizações (notadamente de fachada) que funcionavam em países-satélite, sob a égide, muitas vezes, de agências de inteligência (a StB, por exemplo, se encontrava entre as 10 maiores agências do mundo, sendo que podemos incluir neste hall a STASI da República Democrática Alemã e o próprio KGB). Vale notar que a União Internacional dos Estudantes possuía sua sede em Praga (chegando a “representar os direitos e interesses” de milhões de estudantes de 112 países).

Além dos documentos que podem ser consultados na literatura e no Arquivo Nacional, sugere-se a pesquisa nos jornais e periódicos que se encontram disponíveis na Fundação Biblioteca Nacional (Biblioteca Nacional Digital — Hemeroteca). Por exemplo, a Voz Operária, um jornal carioca fundado em 1949 pelo Partido Comunista Brasileiro, PCB. Sua publicação foi temporariamente interrompida em 1959 por iniciativa do próprio PCB, que passou a empenhar esforço no jornal Novos Rumos. Voltou a ser publicado e a circular clandestinamente entre 1964 e 1975, sendo editado no exterior até agosto de 1979. Em sua edição de número 30, de 17 de dezembro de 1949, dedicou especial atenção ao KOMSOMOL, enaltecendo sua participação em tarefas revolucionárias.

FIGURA 4: Na edição nº 30 do jornal Voz Operária, de 17 de dezembro de 1949, há especial destaque sobre a “educação” de jovens, o Komsomol e a dedicação de jovens a atividades revolucionárias. Era exaltada a juventude progressista e seu compromisso na luta. Resta esclarecido que expressivos recursos eram dedicados a eles (Fundação Biblioteca Nacional – Biblioteca Nacional Digital).

De qualquer forma, essa atuação (ou melhor, penetração) em movimentos estudantis, também passou a ser denunciada. Poucos anos após a publicação da reportagem no Voz Operária, no Jornal do Brasil, em sua edição número 249, de 28 de outubro de 1953, podemos ler notícia onde é citado o Komsomol, porém com enfoque totalmente diferente: infiltração partidária com objetivo de obter relevância na representatividade dos estudantes. As reais intenções já eram percebidas.

FIGURA 5: No início da década de 1950, era denunciada a “infiltração” em entidades estudantis. O Komsomol também é citado. Discursos e propostas atrativas teriam o objetivo de angariar maior adesão (Fundação Biblioteca Nacional – Biblioteca Nacional Digital).

O passar dos anos não diminuiu essa verdadeira marcha que buscava arregimentar estudantes. Pelo contrário: ela se manteve de forma regular, contínua. Nos anos subsequentes ao que foi publicado no Jornal do Brasil, em território nacional já era noticiado, no início da década de 1960, a iniciativa de um “Seminário Estudantil do Mundo Subdesenvolvido”. Tanto os nomes da União Internacional de Estudantes e da Federação Mundial da Juventude Democrática (que Pacepa menciona em sua obra e, também, à qual dedicou seu “trabalho”) são citados como a “inspiração” da União Nacional dos Estudantes, que patrocinaria o evento.

Vale recordar que a UNE (União Nacional dos Estudantes), relevante organização estudantil brasileira fundada em 1937, é filiada à OCLAE (Organização Continental Latino-Americana e Caribenha dos Estudantes), uma entidade mais recente, com sua fundação ocorrendo em 1966, com sede em Havana (Cuba). Esta, por sua vez, é filiada à FMJD (Federação Mundial da Juventude Democrática). Percebe-se que sempre há uma referência às mesmas organizações.

FIGURA 6: Citação da União Internacional de Estudantes e da Federação Mundial da Juventude Democrática como inspiração de entidade estudantil brasileira. A realização de um evento de expressiva importância em Salvador teria como expectativa reflexos regionais (O Estado de São Paulo, 3 de julho de 1963).

Um dos maiores impactos que a FMJD sofreu foi justamente com o fim da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) e, com isso, o encerramento das atividades do Komsomol em setembro de 1991, que justamente era seu membro mais relevante. De qualquer forma ela existe até hoje. Em 2023, por exemplo, a UJC (União da Juventude Comunista), juventude do Partido Comunista Brasileiro, enviou uma carta, a ela endereçada, por ocasião de uma cisão interna, bem como celebrava, em seu sítio eletrônico, o 75º aniversário da Federação.

Ion M. Pacepa faleceu em 2021, aos 92 anos de idade. Mas a organização em que ele atuou, enquanto integrante da Securitate, persiste.

É adequado registrar um fato. O fim da URSS não necessariamente indica que atividades deixaram de ser feitas, pelo contrário. Houve um imenso número de simpatizantes (ou se for o caso, o termo militante seria mais adequado) que foram capacitados pelo Komsomol durante anos. Muitas dessas pessoas, provavelmente, continuaram a atuar de uma das formas mais eficazes que era pregada: como agentes de influência.

O estudante de ontem, hoje é o professor, o político, o integrante de uma organização estatal, o membro do poder judiciário, o jornalista, o INFLUENCIADOR, no amplo significado da palavra.

FIGURA 7: Documentos disponíveis no Arquivo Nacional a respeito de viagens de brasileiros para frequentar cursos e/ou congressos do Komsomol no exterior. Podemos verificar que havia interesse no caminho contrário, também. Por exemplo, da participação de integrantes do Komsomol em eventos como o 1º Congresso Internacional Afro-Brasileiro, com a sugestão de capítulo dedicado à mulher negra (Arquivo Nacional).

Casa de Ferreiro, “Espeto de Aço”.

Apenas como curiosidade, do ponto de vista interno, não havia somente o Komsomol para atrair jovens para atividades e, conjuntamente, promover a doutrinação. Uma das opções, que inclusive permitia a vinda de crianças, era os Pioneiros (citados no artigo Escoteiros: Alertas para Servir. Sempre!).

A ideia de, mesmo em tenra idade, promover formas de doutrinação ideológica, também era aplicada na União Soviética. Apesar da clara imagem transmitida de disciplina, ordem e empenho, havia algumas regras curiosas entre os Pioneiros. Por exemplo: não apertavam a mão de ninguém. Substituíam tal saudação por um gesto que demonstrava a crença nos valores coletivos sobre os individuais. Uma fotografia emblemática a respeito (utilizada como propaganda) possui como título “O Pioneiro não deseja apertar a mão do primeiro-ministro da URSS, Aleksêi Ivanovich Rykov”. Apesar de o esporte ser incentivado (bem como a higiene pessoal), o futebol não era. Afinal, era uma prática esportiva da “burguesia inglesa”.

FIGURA 8: Exposição sobre a visita de integrantes do Komsomol ao Brasil, já no início da década de 1990. Foi relatado, naquele momento, o expressivo tamanho da organização, com milhares de funcionários, bem como ter sido possuidora de uma das maiores editoras da União Soviética. Como missão, a dedicação na “proteção social dos jovens”. De qualquer forma, suas atividades e finalidades já eram de amplo conhecimento (O Estado de São Paulo, 21 de dezembro de 1990).

Para finalizar, Yuri A. Bezmenov, em sua obra Subversão: Teoria, Aplicação e Confissão de um Método, deixa bem claro o processo de subversão bem como o longo período necessário para tal. Ele próprio, com uma excelente formação acadêmica, atuou na RIA Novosti, uma grande agência de notícias, ainda em atividade, com sede em Moscou, sendo, como muitos outros funcionários, colaborador do KGB. Como jornalista, participou ativamente das atividades de coleta de informações, influência, desinformação e cooptação de colaboradores no exterior.

 
FIGURA 9: Pioneiros da União Soviética. Se o Movimento Escoteiro era visto como uma ameaça, houve a implementação de atividades dedicadas aos jovens, porém ao “modo soviético”. Logo, o regime vigente entendeu a importância de entrar no coração e nas mentes do público juvenil. Apesar da estética similar, havia um número expressivo de diferenças entre os Escoteiros e os Pioneiros (a começar pelo seu propósito). Por exemplo, um Pioneiro jamais apertava a mão de alguém. Tal ato era substituído por um gesto (visto no canto inferior esquerdo da imagem) que significava que as causas coletivas pelas quais estava comprometido precederiam qualquer interesse ou postura individual. Mesmo que um Primeiro-Ministro tentasse cumprimentar (para fins de propaganda) um Pioneiro, este declinava de retribuir (Russia Beyond).
 
Bezmenov é a tradução perfeita daquela que era a estratégia soviética de longo prazo. Quando o objetivo era a subversão (e com isso, o consequente solapamento das bases de seu alvo, países ocidentais e suas sociedades) não se pensava em resultados imediatos. Era previsto o empenho constante para que a meta fosse alcançada, em um processo de décadas. Nas quatro fases citadas para este método, a de “desmoralização” levaria de 15 a 20 anos. Bezmenov usava o termo “educar” os estudantes de um país-alvo. Para tal, eram promovidos intercâmbios, seminários, congressos, atividades culturais, a disponibilização de farta literatura, entre outros. Nessa fase, também fomentava-se a destruição dos laços empregador-empregado (desajuste nas relações trabalhistas), ridicularização da religião, desacreditação das forças legais, corrupção da educação (conforme ele próprio citou, substituindo “matérias” importantes, como o estudo de matemática, física, idiomas, por debates em relação a assuntos como sexualidade, alimentação natural etc.). Essa fase promoveria resultados que poderiam, facilmente, comprometer uma geração.

Dessa forma, o publicado no Relatório Especial de informações nº 02/1985 sobre “Arregimentação da Juventude” e “seus efeitos amplos, profundos, duradouros” encontra perfeita guarida pelo que é exposto por Bezmenov. Em alguns nichos, vemos atualmente o que foi instalado (ou se tentou instalar) por décadas.

Conclui-se, portanto, que muitas das condutas que por vezes hoje são questionadas não tiveram origem tão somente na convicção pessoal, na insatisfação, na participação em grupos de afinidade ou num mero despertar de consciência. Mesmo que fosse feito, anteriormente, de forma mais rudimentar do que hoje, a busca por influenciar e atuar no sexto domínio (como complemento, sugerimos a leitura dos artigos O Sexto Domínio e Guerra Híbrida: Operações de Influência) sempre ocupou um lugar de destaque. Por alguns, foi feito de maneira mais intensa que outros. Operar no ambiente informacional, influenciar, saber comunicar, entre tantos outros pontos, são ações imprescindíveis para qualquer organização de Estado.

As sementes plantadas ontem deixaram, após um longo período, frutos que todos hoje colhemos — ou, ao menos, árvores que podemos facilmente identificar.

Qual será a próxima semeadura e o que colheremos dela? Qual será a semente que, individualmente (ou institucionalmente, se for o caso) plantamos, em que terreno, qual o cuidado para que este se torne fértil e qual o esforço despendido para que o cultivo se torne efetivo? Alguns enxergaram isso antes e foi feita a semeadura nos mais diversos ambientes. As árvores existem até hoje. É apenas uma reflexão a respeito do alcance e da amplitude das operações de influência e desinformação e sobre os meios de guerra não cinéticos.

 

Flávio César Montebello Fabri

É coronel da reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP). Possui licenciatura em História, é bacharel em direito e bacharel e mestre em Ciências de Segurança e Ordem Pública. É autor de diversos artigos relacionados à Vitimização Policial e Guerra Híbrida. É coautor do livro “Prazer em conhecer: Departamento PM Vítima”.